sábado, 11 de agosto de 2012

50% mais felizes



Voltamos ao tema das políticas afirmativas, neste caso, novamente o sistema de cotas das universidades federais e, doravante, dos institutos (antigas escolas técnicas/cefet’s). Leia o texto do companheiro Paulo Veras, que instigou esta postagem, concebida a princípio como um comentário em seu blog.

Pela história brasileira e seus desdobramentos malignos na vida de quem ocupa hoje posições inferiores na pirâmide social, apoio plenamente o sistema de cotas raciais e igualmente as sociais. De acordo com o projeto de lei 180/2008 a ser sancionado (creio que não na íntegra) pela presidenta Dilma Rousseff, outros requisitos foram inseridos ao sistema de cotas: para ter direito às reservas o candidato tem de comprovar ter cursado em escola pública integralmente o ensino médio e não ultrapassar a renda per capita de 1,5 salário mínimo.

Alunos de escolas privadas serão prejudicados? Ora, se podem pagar as caríssimas mensalidades para estudar nelas, também poderão arcar com as despesas de uma faculdade privada. Portanto, como saem perdendo aqueles que historicamente utilizaram a universidade pública como nicho privado? 50% das vagas ainda “serão” deles.

Agora, com a mescla dos tantos fatores, há uma ampliação da justiça social que o Governo Federal pretende realizar. O valor per capita reflete muito bem aquilo que vejo diariamente: famílias inteiras sobrevivendo com dois salários mínimos ou menos que isso. Negro rico? Isso é tão difícil de encontrar que nem nas colunas sociais aparecem, exceto as celebridades.

Sim, é uma injustiça que alguém fique de fora por ultrapassar minimamente o 1,5 salário per capita, todavia qual comissão avaliadora se prestaria a tão ignominiosa “retidão”? (Muitas, mas sejamos otimistas).

O sistema tem brechas, que com o mínimo de decência devem ser corrigidas com o tempo. A demanda será enorme, aumentará a responsabilidade das instituições, os gastos e, quiçá, exigirá mais tempo hábil para desenrolar todo o processo seletivo. Nenhuma missão impossível, contudo.

O artigo 2° é um verdadeiro samba do crioulo doido. Se aprovado, será um retrocesso para o Enem, que antes não servia para exatamente nada, tanto que nunca o fiz e muitos do meu tempo também. O vestibular/Enem não deixam de ser cruéis, mas seguir o modelo americano é algo inviável, geraria um personalismo pior do que o há na terra do Mr. Sam (que não é meu tio!).

A questão da escola pública deficitária sobressai-se a tudo isso. Sem um ensino fundamental bem fundamentado (com a licença da redundância) as cotas sejam de qual tipo for jamais atingirão seu objetivo. Medidas reparativas não dirimem a necessidade urgente de resolver os problemas da educação, que vão muito além de salários melhores para os professores.

As cotas, como bem colocou o Paulo, são temporárias, do contrário perderiam legitimidade. Já dizer que as universidades terão déficit qualitativo, como andei lendo e como argumentam alguns pequeno-burgueses, é de uma vileza sem tamanho. É preconceito latente, não vale a pena nem discutir com tais “cidadões”.

O Estado brasileiro está devolvendo as universidades e os institutos federais ao povo pé-no-chão e desdentado que hoje se beneficia de outras políticas públicas, como o Bolsa Família e o Brasil Sorridente (Tcham!). Não está com isso minando o privilégio nem a igualdade, esta que nunca passou do papel, pelo contrário tenta equalizar as coisas.

Nossos meninos e meninas certamente se encherão de esperança com mais esta boa nova. E ficarão 50% mais felizes.


3 comentários:

Paulo Veras disse...

Não vou repetir o que disse no texto, até porque o link tá aí pra quem quiser, né verdade? Mas vou me reservar o direito de discordar de alguns pontos.

De fato, a quantidade de vagas reservadas causou polêmica. Tá na lei metade, talvez fosse mais interessante ser menos, mas é difícil precisar quanto menos. O fato é que estudantes de escola particular acabaram só podendo concorrer a menos da metade das vagas, o que é um prejuízo. Sou contra porque acredito que o Estado tem que pensar em todos os brasileiros, não só nos mais necessitados. A própria noção da cota como justiça social é igualar as oportunidades, não tirar as oportunidades de uns pra dar aos outros (isso é vingança social).

Acho que a outra questão do corte de renda também é balela. É muito difícil quantificar a interferência disso na formação do indivíduo (ainda mais num país tão dispare quanto o Brasil). Não nego que haja uma diferença, mas ela é mais estriada por camadas do que divida num corte reto e seco (com o agravamento de que incluir pessoas acima disso seria um ato ilícito, visto que não há flexibilização do artigo). O próprio valor de 1,5 salário per capita é discutível. Numa família de quatro pessoas, isso representaria 6 salários mínimos, algo acima de R$ 3.600, o que já é alguma coisa no Brasil de hoje - é mais do que a renda da minha família, por exemplo.

Prefiro nem comentar o artigo 2º. Quando a lei foi enviada ao Congresso em 1999 (lá se vão mais de 13 anos) essa proposta já era descabida. Hoje, então...

Por fim, gostaria só de agradecer por ter repercutido o texto. Acho que o diálogo com pontos de vista diferentes sempre enriquece a questão. O resultado do contraditório é sempre mais positivo que a versão absoluta.

José Minervino Neto disse...

Paulo,
Só não entendo porque aqui e lá no seu texto você defende tanto os "estudantes de escola particular", filhos de quem no passado ocupou a universidade pública hegemônicamente durante décadas. Por que pensar no lado marginalizado é uma afronta à "igualdade"? Qual vingança há em oportunizar e descentralizar a coisa pública de um grupo?
Quinta-feira estive na Santa Casa com meu pai e lá na sala de espera havia um encadernado com o perfil de todos os médicos. Todos brancos e com sobrenome pomposo, boa parte com passagem pela Europa na época da residência. Cadê a igualdade? Após a Abolição, o que o Estado Brasileiro fez pelos negros e pelos pobres? Cresci vendo trabalhadores rurais se matando pra ganhar à época menos de R$ 2 por tonelada de cana cortada e sabe o que os filhos deles são hoje? Criminosos ou trabalhadores subalternos, se tivessem a oportunidade de estudar estariam nessa situação? Reflitamos. Nunca passei por isso e poderia sustentar o discurso do contra nesta questão que é mais fácil, mas prefiro o da empatia, prefiro ver um governo tentando reparar desigualdades históricas a um que por pouco não vendeu o BraZil.
E, claro, acredito na dialética. Abraço.

Paulo Veras disse...

É porque eu acho justo. Primeiro que eu não acho que alguém seja demonizado ou sacralizado a partir do tipo de renda que tem. Ricos, classe média (alta e baixa), pobres e miseráveis; todos compõe o povo brasileiro. E o Estado tem que ser o mesmo para todos.

Quando eu penso no sistema de cotas que sou a favor, eu penso num sistema includente, não excludente. Isto é, que coloque alunos das mais variadas classes sociais juntos, com o mesmo nível de oportunidade. E não que exclua um determinado grupo para privilegiar outro. Aliás, é justamente para que nenhum grupo seja privilegiado que o sistema de cotas existe.