sábado, 26 de janeiro de 2013

Vencemos, e agora?


Um grupo se levanta contra a hegemonia de outro, perde consecutivas vezes, não desiste. Um dia, eis a vitória. O doce sabor da conquista, do poder e, claro, da vingança. Bom, numa democracia troca-se vingança por outros nomes como “renovação”, “mudança”, “avanço”. E em União dos Palmares não é diferente. (Leia clicando aqui texto do jornalista Gilson Monteiro para entender melhor).

Nas últimas eleições, a oposição sagrou-se vitoriosa sobre a situação, liderada pelo ex-governador do estado Manoel Gomes de Barros, o Mano (PSDB). “Quebraram-se as correntes”, dizem os eleitos. Inegavelmente, é um momento ímpar para um segmento político que jamais esteve no alto poder municipal e que até então tinha de se contentar com as parcas cadeiras no poder legislativo.

As expectativas são grandes, pois o êxito de Beto Baía (PSD), atual prefeito, representa a insatisfação popular diante de um quadro de redundante imobilidade e descaso. Haja vista que União dos Palmares apenas “inchou”, como se diz, e não se preparou para crescer e explorar seu potencial turístico e histórico, nem superou a dependência da atividade canavieira para sua economia.

Como se comportará essa gestão frente a um presente desconfortável: a instabilidade na relação entre o executivo e o legislativo, este já protagonista de uma debandada de vereadores eleitos que apoiaram Baía para o lado da “nova oposição”, porém já acalmados e de volta; a presença mais que efetiva das famílias Pedrosa, Praxedes e demais que investiram na campanha, cujo expoente é o vice-prefeito Eduardo Pedrosa (irmão do falecido José, ex-prefeito); o estado precário das finanças do município, que já obrigou o gestor a decretar estado de emergência por falta de medicamentos nos postos de saúde e merenda nas escolas; enfim, a necessidade de se fazer tantos malabarismos políticos para cumprir os acordos de praxe e as promessas de palanque? E o PT local, ocupante hoje de duas secretarias, de que modo lidará com a necessidade de dividir espaço na gestão com antigos desafetos políticos? E a militância, que deu a cara à tapa, qual lado da face oferecerá se Beto Baía não cumprir seu discurso?

Claro, ainda é cedo. O novo prefeito já cumpriu uma de suas promessas de campanhas mais icônicas, a gratuidade do transporte escolar para os estudantes palmarinos que cursam faculdade em Maceió, já demonstrou sua capacidade de negociação no caso dos vereadores e tem implementado, como pode, seu plano de governo.

Mesmo assim, podemos chamar a atual gestão de “nova” com tanta gente “velha” no elenco? As correntes foram quebradas de fato? São inquietudes pertinentes e devem ser levadas a sério nas tomadas de decisões. O povo de União dos Palmares anseia por renovação, mudança e avanço reais, sem maquiagem. E a Beto Baía foi dada a oportunidade de protagonizar esse momento promissor, embora frágil e delicado. Que não decepcione o povo para não sofrer o mesmo enxovalho que seus adversários tiveram nas urnas.

Eu, como sou um cético, se fosse pessoa próxima de Beto, não deixaria passar essa pergunta:

- Vencemos, e agora?

__________________________
Publicado também no HiperTexto, do companheiro Luciano Amorim, e compartilhado pelo blog do amigo José Marcelo, aqui.

quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

Onde falta paixão, sobra azedume

Engenho de açúcar, banguê.
O turismo em União dos Palmares parece um banguê. Tem uma produção restrita, é retrógrado e só funciona duas vezes, no máximo, por ano, durante a festa da padroeira Santa Maria Madalena, em janeiro, e no período da Consciência Negra, em novembro. Na entressafra, exceção para o mês de junho onde acontecem as festividades juninas, nenhum outro evento chama a atenção para o município. Sobra, no entanto, um vácuo inquietante.

Aqui, ninguém vive efetivamente da indústria do turismo, apesar do apelo histórico icônico do Quilombo dos Palmares, dos versos de Jorge de Lima e folguedos populares que minguaram ou desapareceram. Nossos artesãos passariam necessidade se não tivessem outras fontes de renda além do seu trabalho artístico, como é o caso de Dona Irinéia e seu Antonio, que pude conhecer de perto há poucos meses.

O município ao longo de tanto tempo não se preparou sequer para receber os turistas. Só depois de longa espera a Casa do Poeta Jorge de Lima e a Casa Maria Mariá foram reformadas e abertas ao público. Não há um espaço adequado para outro tipo de atração que não seja um "mega show", como um centro cultural, com auditório para exibição de peças de teatro, apresentação de dança, para ministrar oficinas etc. Explorar  as manifestações artístico-culturais de um lugar é crucial para que as chaminés não-poluentes do turismo funcionem a todo vapor.

Mas, como a responsabilidade não é exclusividade do poder público, a iniciativa privada também peca e muito. A começar pelo mais simples, a recepção, em geral, deselegante, desagradável e tantas vezes confusa. É muito comum adentrar num local e sequer receber uma saudação formal ou então esta vem acompanhada de uma expressão azeda, do tipo "Estou descontando meu ódio a este emprego subalterno em você". Isto sem contar aquele tipo de gente que, talvez já muito rica, atende mal ao cliente sem rodeios.

E pra ser direto, conto um episódio recente, ocorrido no quinto dia deste 2013 "auspicioso", que retrata bem o azedume palmarino.

Recebemos a visita de parentes que vieram de longe a veraneio pelas terras das Alagoas. Como moramos numa casa modesta cuja atração principal é a mangueira que nos garante um janeiro quase todo de suco natural de seus frutos, decidimos levá-los ao autointitulado "melhor" local do estado em termos de comer, banhar-se em piscina e ver a natureza.

Logo na chegada nenhum bom dia, nenhum ato de cordialidade, nenhuma informação além de preços. Cara feia e tom de voz houve fartamente e após conseguir encontrar as informações básicas, fomos desfrutar o ambiente. Procuramos uma posição à sombra, de pronto fomos impedidos de colocar as mesas em determinado local, daí até encontrarmos, sem ajuda do servidor, um local que não incomodasse os demais clientes (éramos um grupo de mais de 10 pessoas, incluindo crianças) demorou-se alguns minutos. Havia um mau cheiro pairando (depois de um tempo procurando, meu primo descobriu que era um coelho morto) e seguidas vezes reclamamos e nada foi feito, como também foram ignorados alguns pedidos de bebidas e petiscos.

Hora do almoço. Uma moça bem mais atenciosa que o seu colega foi a exceção do dia. Atendeu-nos com toda a formalidade e atenção devida. As refeições, no entanto, foram entregues em desordem. Chegou a de todos menos a dos meus tios. Todos comemos e o prato deles sequer havia chegado à mesa. Reclamação vai, reclamação vem, até que a refeição chegou. Isso tudo num dia de pouco movimento.

E lá fomos nós pagar a conta. "É lá na recepção, senhor". Descemos até o indicado. A moça azeda que nos informara os preços ainda aguardava em seu posto. Pediu os números de cada pulseira, o que gerou uma comanda para cada pessoa que interpelou os servidores. E haja tempo até que fosse calculado cada despesa e, como cereja do bolo, ainda se equivocaram em algumas cobranças, aí para estornar haja mais tempo... Proporcionalmente, gastamos mais tempo pagando entrada, esperando os pedidos e pagando-os do que aproveitando o local.

Ninguém fez muita questão de nos tratar bem, não houve uma ponderação. E eu, como cicerone, senti-me constrangido. Lamentável que o "melhor" tenha um tratamento tão sofrível à clientela. 

Então, o recado é bem prático: antes de pensar nalguma melhoria da estrutura física da sua loja, restaurante, bar etc., senhores comerciantes, invistam na educação de seus funcionários e tratem-nos com respeito, pagando-lhes o salário justo, com carteira assinada, para que eles deflagrem um sorriso verdadeiro ao atender seus clientes daqui ou alhures. Sejam profissionais, senhores.

A atividade turística em União dos Palmares não depende só dos esforços, até agora, incipientes do poder público, engloba o setor privado e a população. Todos precisam se envolver afetivamente com nossa história e riquezas imateriais, como salientou, em artigo publicado no mesmo dia que sucederam os fatos relatados acima, no caderno Saber da Gazeta de Alagoas, a pedagoga Cristina Rocha* (clique aqui), que visitou a Serra da Barriga há poucos dias. Caso contrário, permanecerá a mediocridade de sempre. Nunca se tornará usina.

quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

Notas de fim de ano

2012 vai embora daqui a pouco, deixando como qualquer ciclo uma série de fatos notórios que na visão histórica tradicional seria compilado nos livros.

Eu, que nunca fui historiador, no máximo um professor esforçado de tal disciplina, atrevo-me a elencar três acontecimentos que marcaram a passagem deste ano em trê níveis: federal, estadual e municipal. Adotemos, pois, esta didática e comecemos do "menor para o maior".


As eleições municipais

Em todas as cidades com a qual tenho alguma relação houve a renovação. Renovação da tradição, do atraso e perpetuação das mazelas já conhecidas. Exceção foi a nossa União dos Palmares que surpreendeu. O povo, na privacidade da urna, derrubou o favoritismo de Manoel Gomes de Barros, o Mano, e elegeu Beto Baía como prefeito. Como podem perceber em crônicas do início do pleito, eu sempre demonstrei suspeita sobre a possível vitória de Baía, haja vista o apelo e hegemonia política de Mano. Agora o novo prefeito encontra uma União dos Palmares com graves problemas e cheia de vícios: trânsito caótico, escolas decadentes, atendimento de saúde insuficiente, falta de política pública para a juventude etc. O desafio é grande, ainda mais se colocarmos em conta os compromissos de campanha que o novo prefeito assinou. A autoestima do palmarino está baixa e se revigorou um pouco com esta expectativa de mudança. Tomara que o povo não seja lesado. O povo sabe dar a resposta, não o subestimem!

Violência e educação

Alagoas novamente foi manchete nacional pelos piores motivos: aumento da violência e descaso total com a educação. Resultado: o estado é o campeão em criminalidade, várias cidades antes pacatas agora têm de conviver num clima de insegurança jamais visto. Drogas, assassinatos, roubos frequentes diante de uma força policial reduzida, mal aparelhada, com um modus operandi do tempo da escravatura em todos os sentidos, inclusive na hora de apontar a arma e matar o primeiro negro pobre suspeito.

O alto índice de criminalidade deflagra não à toa o péssimo índice de educação em Alagoas. Crianças e jovens que deveriam estar na escola, estão nas ruas, nas vielas, sobrevivendo como as circunstâncias possibilitam. O governo tucano do senhor Teotônio Vilela simplesmente fechou os olhos para nossos meninos e meninas que crescem sem expectativas, sem oportunidades que bem sabemos só a educação de qualidade oferece ao filho do trabalhador. As notícias são as piores, desde a falta de professores ao atraso das reformas prometidas para conclusão neste fim de ano, que se delongará por mais 90 dias. Absurdo é pouco.

E nem quero aprofundar sobre o trato desonesto que o governo dá às universidades estaduais, a Uneal em especial por eu fazer parte. Técnicos e professores desvalorizados, sem carreira e salário compatíveis com a função exercida numa autarquia, alunos forçados a estudarem em carteiras de séries iniciais no Campus de União dos Palmares. Para se ter uma ideia mais medonha, o cerimonial do governo gasta mais com cafezinho do que com a Uneal anualmente, nas palavras do professor Luizinho. Ainda assim, resistimos por acreditar no papel da nossa instituição para o povo alagoano do interior, sobretudo.

Ação Penal 470, vulgo Mensalão

Deu preguiça de acompanhar, e falta de tempo também. Portanto, vou apenas me deter à impressão que tive disso tudo. Por meses, foi o assunto mais comentado pela mídia nativa com o intuito de desconstruir o  Partido dos Trabalhadores, a imagem de Lula e todos aqueles que são apoiados pelo ex-presidente mais popular do Brasil. Culpados ou inocentes, seja do PT ou não, que cada réu arque com as consequências dos seus atos. Se o Supremo Tribunal Federal quis demonstrar o seu "renascimento" ao brasileiro, talvez tenha conseguido. Mas ficamos sempre na expectativa que este julgamento não se torne uma exceção. Está na hora de desengavetar crimes tão nefastos quanto desta ação penal. Como os casos decorridos no governo FHC, até hoje na poeira.

O STF evoluiu como nunca na história deste país, graças à postura republicana do ex-torneiro mecânico, que tratou com isenção cada escolha para ministro. Hoje temos um poder soberano, preocupado com os problemas na nação, como no caso do sistema de cotas, essencial para criar oportunidades à população excluída.

Porém, não nos iludamos. Por trás de cada um há sempre um interesse. Os ministros Fux, Marco Aurélio e Gilmar Mendes que o digam. Esta sensação que tentam passar de que os crimes não ficarão mais impunes não me convenceu, apesar dos avanços. E esse tipo de contradição é um prato cheio para a mídia que outrora achincalhava Joaquim Barbosa e hoje o exalta por cumprir seu papel.

Estamos indo... sabe lá até quando ou onde.

O Brasil tem tudo para dar certo, mas precisa ainda de tanto que dá a sensação de que não estarei vivo para ver isso. No entanto, eu sonho porque "senão as coisas não acontecem", como diria o grande Oscar Niemeyer.

Continuemos vivos e atentos em 2013.

quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Salve à coexistência!

Padre Cícero ao lado de Iemanjá: coexistência pacífica.
(Foto: JMN)
O debate sobre religião sempre se "renova" de tempos em tempos. Nesta segunda-feira, 22, começou a nova novela de Glória Perez, Salve Jorge, no horário nobre da Globo. E, claro, o termo originário dos cultos afrobrasileiros incomodou muita gente. São Jorge, que segundo a lenda cristã matou um dragão e vive na Lua, é sincretizado como Ogum, o orixá guerreiro.

Circularam pelo Facebook as típicas imagens combinadas com texto alertando aos cristãos do perigo que a expressão "Salve Jorge" poderá acarretar à integridade espiritual de cada fiel. Até aí, tudo bem, se você ler a mensagem apenas pelo viés do "querer bem aos semelhantes".

A mim incomodou bastante. Primeiro, porque em toda a mídia nenhum babalorixá ou ialorixá sai esbravejando que os cultos cristãos são "demoníacos", nem andam chutando santas ou fazendo piadas de práticas inusitadas como por um copo d'água em cima da televisão enquanto o pastor ora do outro lado. Nenhum representante das religiões de matriz africana tem aparato suficiente para responder na mesma proporção ao dano causado à imagem desses cultos. É um combate desigual e injusto. Segundo, porque a mensagem subliminar apregoa que tudo que vem da fé africana é um mal a ser combatido, resultando em segregação aos praticantes, em geral negros e pobres habitantes das periferias.

Esse tipo de proselitismo só aprofunda ainda mais as desigualdades sociais, disseminando uma ideologia nefasta, que leva, inclusive, ao desrespeito ao Estado laico e atenta contra a liberdade de culto prescritos na Constituição brasileira de 1988 (não confundir com 1889, um ano após a Abolição).

A intolerância religiosa persiste, enquanto o mito da cordialidade brasileira se torna mais espúrio. Como também afirmar que onde os cristãos são minoria eles são perseguidos não legitima seus atos por essas bandas e vice-versa. Mas no Brasil, país republicano, de maioria cristã, a religião ainda é usada como meio reprodutor da casa grande e senzala. É nisto que persisto.

O cristianismo padece de críticas por estar numa posição hoje de opressor das religiões afrobrasileiras, no contexto em que vivo. Isto não quer dizer que todos os cristãos são assim, contudo aqueles que divulgam mensagens denegrindo a fé trazida nos navios negreiros têm, sim, culpa no cartório, em especial os estelionatários que ocupam horas diárias nas grades das TVs abertas.

Quero ressaltar que não defendo aqui a "propaganda que a Globo faz" do candomblé ou umbanda através da novela Salve Jorge, nem do kardercismo como fizera outrora. Está aí em cima, no meu perfil: agnóstico, que na minha definição idiossincrática significa "tô nem aí pra religião". Mas eu me indigno muito quando a religião ou qualquer outra coisa é usada para diferenciar negativamente as pessoas num estado democrático. Favor não confundir isto como um lamento de quem "posa de vítima", isto aqui é um ato de resistência.

Também não quero usar este espaço como veículo de "proselitismo cético", pois isto é uma contradição em termos, como diria Renato Russo. Agnósticos e ateus não precisam pregar sua descrença, uma vez que não formam uma religião, não necessitam de dízimo, oferta, nem cobram por um trabalho que não o profissional. 

Mas sou sensível à beleza do misticismo, sobretudo quando se realiza como expressão popular (talvez assunto para outra postagem), tal qual na imagem acima.

Infelizmente, a sociedade brasileira ainda não entendeu que há espaço para todos, que existem alternativas ao projeto monocultural do neoliberalismo. Que o protestante, o católico, o sincretista, o budista, o índio fazem todos parte de um fenômeno universal metafísico, fruto da relação limitada entre homem e natureza que a ciência a passos miúdos vem desvendando. O mistério ainda é maior.

Salve à resistência! Salve à diversidade! Salve à coexistência!

terça-feira, 2 de outubro de 2012

Frágil como panela de barro



No domingo, Zema Silva Ferreira, Zulu Fernando e eu visitamos o Povoado Muquém e soubemos de coisas muito tristes para a comunidade. Dividiram-na visando benefícios egoístas, como também, de forma descarada, estão usando o legado do Muquém para vender uma imagem particular como se fosse coletiva. Em miúdos, alguns "artistas" copiam a arte de Dona Irineia e Seu Antonio, enquanto outros usam a comunidade como curral eleitoral. Resultado: o enfraquecimento de um povo que antes teve de lutar por liberdade e agora se distancia mais do mínimo de dignidade possível. Saímos de lá muito tristes.

Arte de Dona Irineia. (Foto: ?)
Na segunda, soubemos da morte de Mestre Caboclinho, ícone palmarino do guerreiro e dos festejos natalinos, que, pelo pouco que sei, não teve seguidores fiéis para levar sua brincadeira adiante. Espero estar errado, para que não aconteça o que ocorreu em Branquinha quando o Mestre Ziza se foi sem poder transmitir seu legado, haja vista que nenhum jovem se interessara pelo guerreiro nem mesmo sua filha.

Hoje, que notícia golpeará nossa cultura?

Até quando nossos artistas, homens e mulheres que carregam nossa identidade, serão vilipendiados pela falta de reconhecimento, tanto da parte do poder público que tem a obrigação de resguardá-los, como também pela maioria da sociedade aculturada? Até quando o povo que herdou o Quilombo dos Palmares terá essa visão turva de que tudo se resume ao mês de novembro? Até quando a baixo autoestima reinará entre aqueles que amam sua cultura, mas "por falta de apoio" se resignam? Até quando a iniciativa privada se negará a devolver o mínimo do que ganham da população que a enriquece?

Estamos atrasados. Pessoas "de fora" vêm a União dos Palmares ensinar dança afro às nossas meninas. Religiosos do candomblé e umbanda ainda transitam quase que na clandestinidade, senão são taxados de "macumbeiros" ou de satanistas. Não há, depois de tanto tempo, um centro cultural que sirva tanto de lugar de ensino quanto de palco decente para a exposição da arte. Artistas locais precisaram peitar organização e músicos "de fora" para garantir seu espaço no palco da praça Basiliano Sarmento mais de uma vez, como ocorreu com a banda Estuário Mundaubeat e Thiago Correia - Quilombola de Sião, ambos com trabalhos autorais totalmente voltados para o doce e o amargo de nossa terra.

Estuário Mundaubeat no Festival Linha de Produção (22/09/12). Foto: Vanessa Mota.

Thiago Correia - Quilombola de Sião. Foto extraída de seu perfil no Facebook.
Estamos atrasados, porque ao invés de fazermos um movimento de continuidade, o que há é um resgate ou mesmo a implantação daquilo que se alinha à nossa história. Não precisamos que ninguém responda por nós à interpelação: "Quem é você?". Porém, permitimos que isso acontecesse. A ajuda que vem "de fora" é boa e sempre será bem-vinda e de extrema relevância. O que é inaceitável é o povo palmarino continuar negando sua história

Nossos mestres e mestras estão terminando suas atividades sem deixar aprendizes e sem público local que os incentive, sem poder transmitir suas paixões. Estão morrendo duplamente, encaminhando-se para o ostracismo do qual é impossível se resgatar.

Fica aqui registrada nossa pequena homenagem ao Mestre Caboclinho, que não conheci nem tive a oportunidade de ver uma de suas apresentações, mas que, assim como Mestre Ziza, com certeza brincou muito e, por tabela, espalhou sua alegria popular por onde passou.

Chega de tragédias, preconceito e desdém. Ainda há tempo para reflorestar o canavial. Como diz o Wado, fortalece aí a nossa cultura, frágil como panela de barro.