quarta-feira, 14 de março de 2012

Desabafos

Autoria: André Dahmer (Malvados)
Quando o Tropa de Elite 2 - O inimigo agora é outro foi aos cinemas os cadernos de cultura de jornais e sites se encheram de relatos da catarse coletiva provocada pela denúncia que o filme mostra contra a corrupção e suas implicações mais profundas que apenas o desvio de verbas, como a manuntenção de certos grupos no poder e a criminalidade, uma centelha de esperança pairava no ar. Algo despertou naquelas pessoas o sentimento de revolta tão necessário para se transformar a realidade? Não. Bastou o tempo passar, Tropa 2 não ser indicado ao Oscar para os amantes da sétima arte simplesmente "mudarem de foco" (pra não cair naquele clichê... qual é mesmo?).

O assunto agora é Luiza que voltou do Canadá para ganhar, sabidamente, alguns trocados com propaganda; o BBB cheio de "bombados" de voz fina e "saradas" de voz grossa, além dos andróginos; é o namoro de celebridades que começa ou acaba a acada semana; a foto engraçada no Facebook, enfim, tanta coisa super. Superficial, claro.

Por que não urram agora contra as mazelas cotidianas? Ao invés de ficar postando "desabafos" nas redes sociais, não seria mais efetivo processar a empresa que vendeu gato por lebre, denunciar ao Ministério Público a falta de merenda escolar etc.? Não seria mais prático buscar aliados nas redes sociais do que esperar que os seguidores se façam de muros das lamentações inúteis? Quando aprenderemos (ou reaprenderemos) a canalizar forças para intentos deveras nobres e legítimos?

O troca-troca de ministros está aí a todo vapor pelos motivos mais ignominiosos e o máximo que se consegue fazer contra isso é uma piada, ou melhor, repeti-la. Que desgraça. A Copa do Mundo de 2014, assim como aconteceu nos Jogos Panamericanos do Rio de Janeiro em 2007, já superou o orçamento estimado para a realização desse evento privado, incluindo as arbitrariedades da Fifa que dentre outras coisas forçou o legislativo nacional a mudar o Estatuto do Torcedor em função de um dos patrocinadores, uma marca de cerveja, item antes com venda proibida. No entanto, o máximo alcançado foi uma hashtag #ForaTeixeira. O cartola caiu, mas não seus comparsas e falcatruas que fazem do futebol não um esporte, mas uma fábrica de dinheiro tresloucada, que mina esse patrimônio brasileiro. Será mesmo que o Ricardo Teixeira renunciou temendo um novo tuitaço? Não está mais do que na hora de o futebol ser gerido por quem tem história no esporte? Dos clubes que sustentam a CBF (meu Flamengo incluso, principalmente com a atual diretoria) tomarem vergonha na cara?

Já que se está matando tanta gente "ruim" não seria o caso de protestar e exigir das autoridades uma solução antes que o "bons" sejam atingidos também? Não seria melhor fazer a revolução do que acompanhá-la pela televisão?

Neste ano de eleição minha esperança é o Ficha Limpa ser aplicado à risca e ser mais ameaçador que um guarda de trânsito munido de bafômetro, pois é um dos poucos exemplos dos últimos anos de uma mobilização popular em torno de um projeto que visa combater a corrupção no Brasil. Embora a experiência já me faça prever os malabarismos jurídicos em prol da turma Ficha Suja. Surgirá um Ficha Limpa 2? Tomara que sim.

Tropa de Elite 2 não foi o primeiro filme a fazer crítica social, talvez o mais contundente por ter sido mais visto, nem é a primeira vez que escândalos se sucedem diante da complacência dos amantes do BBB. E viva às inaugurações pré-eleições! Viva aos espetáculos alienantes promovidos pela política do pão e circo das Romas pós-modernas! Solta o forrozão e a swingueira pra ver onde essa apatia vai parar!

E como isso aqui é uma crônica séria, faço meu mea culpa ao estilo (já clássico) da Internet:

Pareço legal, mas já dancei "Ai se eu te pego", já acompanhei o BBB anos atrás, reclamei minhas dores no Twitter e no "Face". Porém, sou chato e estou cansado no maior estilo Cazuza de ser.

José Minervino Neto


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Em tempo, vale dar uma olhada nessa tira aqui.

sexta-feira, 2 de março de 2012

Para além de sorte ou azar

Em 2005, 2006 não lembro a data, quando voltava numa lotação de Maceió para Branquinha, subiram no transporte dois rapazes do tipo "mal encarados", vestidos a caráter, (bermudão, blusa e boné). Após passarmos por Rio Largo, o assalto foi deflagrado por um deles. Em suas mãos, dois revólveres calibre 38, meio enferrujados. Imediatamente uma arma foi apontada para a cabeça do motorista, que logo atendeu aos direcionamentos do assaltante de entrar numa das estradas de barro, próximo ao posto de combustível Flecha. Só que o senhor errou a entrada, criando uma tensão em nós passageiros e irritando os maus rapazes.

Era inverno, ou pelo menos havia chovido naqueles dias, após recolher todos os pertences que estavam mais acessíveis, como telefones e dinheiro (não levaram os documentos de ninguém), fizeram com que nos deitássemos no chão com a face virada para baixo, sobre nossas mãos. Enquanto isso, reviraram o carro e revistaram as bolsas e bolsos de todos. 

Além de apontar o revólver, eles o encostaram no meu pescoço. Como um anfíbio, logo a temperatura do meu corpo se equalizou à ambiente, quer dizer, ao gélido metal da arma. Levaram-me por volta de uns R$ 20,00 e minha mochila, que serviu para acomodar os pertences dos demais. Não quiseram os livros que havia tomado emprestado na biblioteca nem meu tênis All Star surrado. No momento da revista, o carinha me perguntou o que eu era. "Estudante", disse. "É, teve sorte", retrucou. 

Ninguém foi molestado durante o assalto. Após recolherem tudo o que havia de valor, os rapazes saíram a pé e disparam um tiro, mas antes deixaram a chave do carro jogada abaixo do mesmo e a instrução para não os seguir. Tentamos prestar um boletim de ocorrência em Messias, mas o policial civil pôde apenas lamentar e dizer que o local do assalto pertencia a outra jurisdição. Então, seguimos de volta para nossos destinos. Ainda suava frio quando cheguei em casa VIVO.

Agora é 2012 e as coisas estão piores. Este acima é o relato de um sobrevivente da violência que marca a história de Alagoas. Violência que tem tomado dimensões absurdas em União dos Palmares e região. Hoje, três de março, uma criança de 10 anos foi brutalmente assassinada (e seu corpo vergonhosa e antieticamente exposto em sites e redes sociais na Internet). Para mim, não importa se ele era um "aviãozinho" ou um "maloqueirinho" qualquer. Era uma criança com pouco mais da metade de anos que o meu sobrinho de 4. Uma criança que não "teve sorte", assim como as outras 12 pessoas assassinadas desde o começo do ano. 

Terça-feira, 06 de março, a partir das 8h na praça Frei Damião, estaremos nas ruas numa caminhada com o Movimento União Pela Paz. Porque temos ciência de que mais que indignação e desinquietação, fazer algo para tentar reverter esse quadro de violência é possível e necessário. Porque também sabemos que um tiro assassino é bem mais que uma simples questão de sorte ou azar.

Por que tantos jovens estão morrendo em nossa cidade? Se é culpa do tráfico de drogas, por que não se combate esse mal? Há policiamento suficiente com condições adequadas para tal? Por qual motivo tantos jovens adentram na criminalidade? Falta emprego, perspectiva? Qual é a real dimensão da pobreza que os impele a "quebrar as regras"? Além do alimento, também não lhes falta educação, saúde e outros princípios da cidadania? 

Parece óbvio, mas precisamos de respostas. E mais que respostas, solução.

José Minervino Neto