quarta-feira, 16 de maio de 2012

O poder de enganar

Autoria: André Dahmer, do Malvados.
Antes de tudo leia este texto esclarecedor de Roberto Amaral, publicado no site de Carta Capital, cujo título é: Na contramão da História.

A imprensa é daquelas coisas que mais me desinquietam. Principalmente a que pratica o mau jornalismo, a que mais desinforma e aliena as pessoas. Ainda bem que existe internet e ainda não decretaram a extinção total do livro em papel. Também não é o caso de querer que todas sejam iguais, a divergência é, além de necessária, salutar. E essa de neutralidade, cá entre nós, jamais existiu. 

Nesses últimos quinze dias fiquei muito incomodado com a Gazeta de Alagoas, veículo de propriedade de Fernando Collor e maior jornal impresso em circulação no estado. Motivo: a publicação de uma matéria de três laudas completas "sobre" a aprovação da constitucionalidade das cotas pelo STF, no dia 06/05 (páginas de 8 a 10 do caderno A). O que deveria ser "sobre" acabou se tornando uma enxurrada de declarações de "especialistas na área" acintosamente contra as cotas raciais. Um texto todo emendado por citações e paráfrases. 

Vindo de um jornal de caráter conservador (pra não dizer outra coisa) era de se esperar. Na terceira lauda de tal matéria para dar ideia de isenção, consta um depoimento de uma aluna que conseguiu entrar na UFAL mediante o sistema de cotas e uma espécie de relatório feito pela Profª Clara Suassuna, da mesma UFAL, falando do funcionamento e resultados obtidos até então.

O mais interessante disso tudo foi a ironia da Gazeta de Alagoas, logo após se posicionar contra tal assunto e na página 11 seguinte à matéria: uma lauda inteira de publicidade de um centro de oftalmologia parabenizando seus 39 doutores. Todos brancos. E felizes, claro.

Como disse o companheiro Zema no Twitter: "E essa história de pobre se formando doutor... AS ELITE PIRA!".

Não preciso mais me posicionar a favor das cotas, já o fiz neste blog. Trata-se apenas de mostrar a postura alienante desse veículo hegemônico em Alagoas ao tratar de um tema tão polêmico. Imagino, agora, os malabarismos editoriais à época do impeachment de seu dono...

Autoria: Carlos Latuff
O mau jornalismo é uma prática nacional e como por muito tempo não teve adversários ou os censurou e sabotou, permanece forte. São raras as pessoas que sequer desconfiam do "inexorável" Jornal Nacional ou qualquer outro da eterna chapa-branca Globo. Vale lembrar também de outra mídia conservadora e anti-povo, a revista Veja, que sempre se empenhou em defender a liberdade de imprensa, desde que ninguém soubesse de seus Cachoeiras... 

Os exemplos se multiplicam na esfera do "quarto poder", alguns bem explícitos. Como o caso da Folha de São Paulo, em 2009, sobre a ditadura militar no Brasil. Vide a charge ao lado.

Ah, e quem nunca se iludiu com o narrador de futebol pelo rádio?! A bola passa looonge do gol, mas ele com tamanha emoção afirma que passou raspando! Mas a gente bem sabe que a vida não é só futebol. Há muitas jogadas escondidas por trás das câmeras, computadores, impressoras etc., muitas táticas de retaguarda que nem o Muricy Ramalho aprovaria.

sexta-feira, 11 de maio de 2012

Comissão da Verdade Inconveniente


Inconveniente a Eles, porque...

Eles, em nome de um estado brasileiro, perseguiram, torturaram, exilaram, mataram e desapareceram pessoas.

Eles, em nome de um estado brasileiro, endividaram e sabotaram o país.

Eles, em nome de um estado brasileiro, alienaram o povo e censuraram os artistas.

Eles, em nome de um estado brasileiro, cometeram os piores crimes contra a humanidade.

E, cientes disso tudo, Eles se reúnem ano após ano, cada ano mais caquéticos e se interpelando pela patente, trajados em verde oliva, com adereços dourados, para celebrar a “Revolução de 1964”.

Os porões do Golpe Militar de 1964 começam agora, timidamente, a serem abertos com a instauração da Comissão Nacional da Verdade (Lei 12.528). Porém, ninguém será punido como ocorreu na Argentina e Chile, por exemplo. Não se saberá o paradeiro dos desaparecidos nem sumirão as cicatrizes dos choques, amarras e cacetadas. Tampouco sanará as dores dos familiares de dissidentes da ditadura. 


A Comissão da Verdade tem como principal finalidade “examinar e esclarecer as graves violações dos direitos humanos” praticadas pela Ditadura Militar à sociedade. Ou seja, conheceremos a face indigesta desses assassinos.

Trata-se do primeiro ato do Estado Brasileiro sobre algo que até pouco tempo atrás era apenas matéria para historiadores e cientistas sociais. É pouco, diante de tanta atrocidade, e, por outro lado, é um alívio por estar sendo feito.

Lembremos sempre:

Eles, em nome de um estado brasileiro, criaram a Lei da Anistia e se anistiaram. Mas não podem sair impunes no final das contas. Nossa história já tem sangue demais.


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As charges colhidas no Google são de autoria de Carlos Latuff, cartunista brasileiro cuja marca são os temas relacionados à opressão imposta por governos de diversos países aos seus povos, os direitos humanos e a crítica ácida ao capitalismo, dentre outros. Suas charges foram bastante utilizadas durante a Primavera Árabe. Conheça mais do seu trabalho através do blog ou seguindo-o no Twitter, @CarlosLatuff.


quinta-feira, 10 de maio de 2012

Os Status dessa vida


Estamos na era do "status".

Ficamos "on-line" para quem nos interessa, para quem nos faz bem, quem precisa nos ver (mesmo que não saiba. rs), para a amiga distante que deixa um montão de saudade, ou só pra chamar a atenção mesmo... :p 

Quando "ocupados", na verdade quase sempre não-ocupados! Mas talvez isso ajude em alguma coisa, né? ¬¬ Vai saber!
 
O status que ainda parece convencer um pouco é aquele que fica laranjinha. Não sei pq, mas aquela cor parece nos intimidar, ela não é nada atraente. Acho que ficamos dessa cor quando queremos afastar pessoas... e os "ausentes" vão perdendo a força gradativamente, até que o tempo limite acaba e o brilho da cor nada charmosa se apaga de vez.

O "off-line", por sua vez, é aquele que mexe com a nossa imaginação... rs E se não estamos, por vezes FICAMOS off - silentes, observadores, reflexivos - enclausurados em nossa ilha particular (para não corrermos o risco da total normalidade. rs).

Dentre outros "status" vigorantes, pois a vida é infinitamente muito mais que internet (ouvi algum protesto?? :p), citemos o político - que levou o Romário a abandonar a bola e o Tiririca a aprender a ler (aiai...) para representarem o nosso povo! - que denota claramente a paixão desvairada que esses homens têm pelo seu... país? Não, clã. 

Há ainda o status da religião ("a minha é mais 'bonita' que a sua... " ¬¬) ou o da não-religião ("agora estou liberto de mente, sou ateu!" hehe). 

Status de profissões - o médico e o advogado valem mais que o professor e o gari. E (pasmem) um deputado vale mais do que todos eles juntos!! :o (aiai... de novo).

Morar na região Sul ou Sudeste tbm pode trazer um bom status, sabia?! Dizer que é nordestino e, por cima, alagoano (mô fio...) em qualquer Estado dessas regiões, vai exigir um pouco mais do que sua capacidade, garra e intelectualidade. Isso, é claro, para imbecis, pq pessoas sensatas não pensam assim.

Ahh e não esqueçamos do estado civil, ou melhor, "status civil", esse monstro que persegue a muitos (que o digam alguns amigos meus! rs).

E a gente vai criando mais níveis a alcançar (a maioria, vãos), como se a vida fosse um vídeo game gigante. 

E retornam o on-line, vez ou outra (num surto de transparência...), o "ocupado" (e sua indecisão constante e cruel - on ou off? :p), o "ausente" (que vai se apagando aos poucos, se não no outro, mas em nós...), e o fantasma off-line (rs), para nos visitarem de quando em quando, para não nos perdermos de vez do ser social que devemos ser. Eles vêm e vão, e nós continuamos em busca do "status maior", pq todos dizem que ESSE é a cereja do bolo (detesto cereja... pode ser uma pitanga? *-*)... tá, que ESSE é a pitanga (rs) do bolo, e esse status todos sabemos qual é, normalmente ele é usado com o nome de "melhor"!

O ruim é se, nessa era doida, toda essa busca pelo que consideramos "melhor" acabar por vencer quem realmente somos aqui por dentro, né?... =/

Simone Galdino
Estudante de Letras - UNEAL

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Texto originalmente publicado no mural do seu perfil no Facebook. Aviso: não adianta insistir, ela só "add" quem a conhece.

segunda-feira, 7 de maio de 2012

POESIA NÃO PASSA DE FANTAZIA



Em letras garrafais, a giz, num painel de madeira, assim estava escrito, sem ponto, vírgula ou exclamação. Alguém ao expor sua desilusão quanto à poesia, acabou criando uma. Poesia à revelia, desentranhada do mal-estar que o lirismo desperta-lhe. Poeta revoltado com seu material de trabalho. Protesto semelhante ao do movimento metropolitano "O amor é importante, porra", em sentido contrário.

Que alma é essa que tenta dissuadir-me com este grito mudo? Seu espírito seco o impele a alertar-me do perigo da poesia e sua fantaZia. Afinal, ela tem esse poder de sedução, e seduz, mas no final das contas deixa tudo fiado. A poesia sequer cura uma dor de cabeça. É de uma inutilidade tamanha para essa vida pragmática que conta os dias, distribui os números e descansa nas tardes dominicais. Poesia não passa de fantaZia e há muita pressa de viver, Belchior do paredão.

Retorno às palavras revoltas. Seria um haicai?

POESIA
NÃO PASSA
DE FANTAZIA

Um haikai (prefiro com k) concretista, se observada a forma que toma quando centralizado. Parece o desenho da parte superior do crânio (eu via exércitos de nuvens), onde está o cérebro, que por sua vez processa as fantaZias.  E que rima! Evidentemente, o poeta não pensou nisso e é natural ser assim. Poema pensado demais pode fazer sumir a poesia. Mário de Andrade aprovaria o "geito" do nosso poeta anônimo.

Pena que este protesto chegou atrasado demais ao meu sabimento. Evitaria tantos desatinos, economizaria tanta tinta de caneta, folhas de agenda, guardanapos de boteco! Jamais imaginaria certas coisas, veria o que ninguém vê. Mas... A fantaZia da poesia já tomou conta de mim, já criou eu's suficientes para outro mundo.

Consideraria o seu conselho, poeta, ilusão machuca deveras. Mas... Deixar a beleza do lodo na parede apenas para o Quintana? Não! Por quê? Porque agora é presente e nem todo pretérito pode ser mais-que-perfeito.

Hoje eu vi que apagaram a tua inscrição, amigo, e eu nem posso mais te corrigir. Grafa-se fantasia com S. Só poetas o fazem com Z.

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Originalmente publicado no meu outro blog Intervalo das Horas.

sexta-feira, 4 de maio de 2012

Por igualdade verdadeira, #CotasSim. #RacismoNão!


Nos dias 25 e 26 de abril deste ano, o Supremo Tribunal Federal - STF julgou a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental - ADPF 186, impetrada pelo partido político Democratas - DEM, que questiona a constitucionalidade do sistema de reserva de vagas adotado pela Universidade de Brasília - UnB. O relator do caso, Ministro Ricardo Lewandowski, por meio de uma análise minuciosa e atenta a todos os aspectos envolvendo a matéria julgou, baseado em argumentos jurídicos da mesma natureza e estudos científicos elaborados por pesquisadores de diversas áreas,  improcedente tal ação, a saber, o sistema de cotas não fere a Constituição Federal - CF. Mais que isso, o ministro vai além e reconhece os benefícios da diversidade étnico-racial para a comunidade acadêmica e toda a sociedade ao dar um passo inicial e fundamental para a diminuição das desigualdades existentes entre brancos, negros, pardos e índios*.

Para a surpresa dos mais otimistas, que criam num placar um pouco apertado em prol das cotas, o STF foi unânime: 10 votos a favor e nenhum contra. Uma demonstração clara de que o Poder Judiciário, ao menos na sua mais alta hierarquia, tem se voltado para as lutas sociais e outros assuntos cristalizados e reprodutores de distorções históricas na sociedade brasileira. Caso das gestantes de fetos anencéfalos, antes obrigadas a levar adiante uma gravidez mal concebida geneticamente, que a partir de agora têm o direito de interrompê-la sem praticar um delito. Isto somado à aprovação da constitucionalidade das cotas revela o amadurecimento pelo qual tem passado o país. Consequência direta da consolidação da democracia brasileira e da construção de um Estado cada dia mais consciente de seu dever de reparar danos seculares de nossa história.

Contudo, esta unanimidade no STF não encerra o debate, amplia-o e transfere-o para outras esferas, da mesa de bar às bancadas acadêmicas. Não foi uma vitória apenas dos movimentos negros e, sim, de toda a nação, antes vítima da complacência estatal. Prós e contra apresentam diversos argumentos, razoáveis ou não. Pelo que pude apurar, o argumento do DEM, de que as cotas descumprem o artigo 5° da CF - princípio da isonomia formal, é o mais utilizado para alegar a incoerência do sistema. Este raciocínio foi desmanchado pelo STF, uma vez que o artigo 3° - da igualdade material - da mesma CF impele o Estado a "construir uma sociedade livre, justa e solidária", buscando "erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais"; bem como destacou-se que a Carta Magna já contempla o estabelecimento de vagas para deficientes, para ficar em alguns argumentos.

Tal polêmica provoca uma reflexão acerca da interação racial no Brasil, cuja discriminação velada e sutil causou profundas desigualdades e injustiças, ao passo que denuncia e desconstrói o "mito da democracia racial". Ações afirmativas têm, em sua provisoriedade, o único objetivo de diminuir estes conflitos e assentar  uma realidade onde todos têm oportunidades iguais e a valorização da diversidade cultural e racial.

Mesmo com tantos avanços econômicos a mobilidade social no Brasil ocorre lenta e insuficientemente, afasta-se de uma concretude material condizente com a riqueza produzida aqui e denota ainda mais a concentração de renda. O racismo brasileiro se reflete nos frios números estatísticos do IBGE**, segundo os quais anos a fio os negros somam a maioria das pessoas abaixo da linha de pobreza. Esta incipiente integração do negro na divisão decorre diretamente de seu passado de exploração e segregação. Ao negro reservou-se a periferia, os espaços subalternos. Foi-lhe negado as condições mínimas para que exercesse plenamente sua cidadania e ainda era obrigado a assumir uma segunda pele*** estranha, incompatível com a sua, resultando por aspectos outros numa figura estereotipada.

A condição da população negra urge por mudança, uma espera que dura mais de cem anos desde a Lei Áurea. Conformar-se só eleva os muros invisíveis - porém sensíveis - dos guetos. Em desvantagem na competição do mercado de trabalho, esses "indesejáveis" estão sentenciados a viver na marginalidade e sem perspectivas. O sistema de cotas das universidades públicas brasileiras enseja uma esperança e cria condições concretas de possibilidades de equalização ao arregimentar profissionalmente os não brancos, índios e negros.

A sociedade brasileira é racista, embora miscigenada desde as suas origens genealógicas mais antigas. Este colorido ao invés de usado para dirimir as práticas racistas servem à sua manutenção dada a incorporação social da ideologia dominante advinda do colonialismo europeu. Lembremos, este é o povo que relega aos seus semelhantes mais pigmentados os piores empregos, cuja mídia teima em representar de modo pejorativo e jocoso. Uma sociedade que não se aceita nem se identifica miscigenada tal como é de fato.

Enquanto os iguais se diferenciarem, enquanto grupos continuarem excluídos das riquezas que eles mesmos produzem e a dignidade humana for desprezada, haverá necessidade de instituir políticas públicas para intervir socialmente e compensar as perdas. Quebremos as correntes. O martelo da sapiência está agora acessível para interromper esse ciclo de exploração. Se não for pela Universidade pluralizada, diversificada e desmitificadora de ideologias depreciativas, por onde se fará a inclusão? Decerto, não através dos presídios onde o negro também é maioria, tampouco servindo à casa grande.

Por uma sociedade verdadeiramente mais igualitária, #CotasSim!

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Links:


** Dados citados no voto do ministro R. L.

*** Artigo de José Jorge de Carvalho. Racismo fenotípico e estéticas da segunda pele. (2008)

Procurando pela imagem ilustrativa desta postagem encontrei este artigo cujo título é bastante provocador: STF extingue cotas de 100% para brancos nas universidades. Vale a pena a leitura.