quarta-feira, 4 de abril de 2012

A "pirataria" como questão territorial


“[...] partindo do fato de que o crime é detestado e detestável, o senso comum conclui, de forma errônea, que ele poderia muito bem desaparecer completamente. Com o simplismo habitual, não entende que algo repugnante possa ter alguma razão de ser útil” (Émile Durkheim em As Regras do Método Sociológico)

Desde meus primeiros dias enquanto aluno de graduação sempre estive convencido de que muito mais importante do que dizer se algo é legal ou ilegal, “certo” ou “errado”, é explicar por que ele existe. Mesmo sem nunca ter lido Dukheim, eu desconfiava que mesmo as coisas mais detestáveis no âmbito social tinham sua razão de existir. Daí o interesse muito especial por temas como a chamada “pirataria”. Como algo tão “ruim” pode estar tão arraigado na vida social do presente?

Em 2010 as filmagens das enchentes ocorridas em algumas cidades alagoanas feitas por cinegrafistas amadores locais possibilitaram que a população de diversos lugares pudesse ter imagens reais dos eventos ocorridos. Em enchentes que ocorreram anteriormente, como a que aconteceu na década de 1980, isso não era possível, o que se podia saber de detalhes era somente através de relatos de sobreviventes. Dessa vez, poucos dias depois, o DVD com as gravações estava disponível por diversas barracas de camelôs da cidade.

Já em 2011, durante a comemoração da semana da consciência negra em União dos Palmares - AL, o show de Edson Gomes aqui realizado, estava, uma semana depois, disponível para download na internet. Do ponto de vista de reprodução dos conteúdos, esse fato se assemelha ao anterior: ambos se aproveitam das condições técnicas do presente, isto é, dispositivos de gravação de imagens móveis (celular, câmeras de alta resolução etc.) e meios de divulgação também possibilitados por sistemas técnicos atuais.

No entanto, este último caso é tratado como crime. Como usos sociais dos sistemas técnicos tão semelhantes podem ser tratados tão diferentemente pelos agentes hegemônicos?

Hoje, o interesse do Estado brasileiro pela chamada “pirataria” está no sentido de extingui-la sem compreender o significado de sua existência, o que parece extremamente contraditório. Por exemplo, com a proximidade da copa no Brasil, o Conselho Nacional de Combate à Pirataria – CNCP (órgão criado em 2004) tem desenvolvido uma série de projetos que buscam eliminar essa prática nas cidades sede da copa. Entre eles, está o projeto “Cidade Livre da Pirataria” cujo objetivo é municipalizar o enfretamento da pirataria, que já obteve a adesão de diversas cidades, a saber, São Paulo, Curitiba, Brasília e, em 2011, Belo Horizonte. Além disso, vale ressaltar que no último decênio várias cidades criaram delegacias específicas para combater a prática “criminosa” como: São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Pernambuco e, em novembro de 2011, o Distrito Federal.

Quando se trata o fenômeno dessa maneira, na verdade se está trabalhando com mera abstração: a legislação é única, mas as condições dos indivíduos nos lugares são diversas. De fato, a economia, a política, o aspecto jurídico não existem concretamente fora dos lugares.

Pode a Geografia contribuir para explicação de fenômenos como esse? A resposta é tanto simples quanto ousada: IMPOSSÍVEL COMPREENDER PORQUE A CHAMADA PIRATARIA EXISTE SEM CONSIDERAR AS CONDIÇÕES HISTÓRICAS ATUAIS, ISTO É, A SITUAÇÃO TÉCNICA E NORMATIVA DO TERRITÓRIO BRASILEIRO.

A “pirataria” é algo que resulta de nossa época e precisa ser tratada assim, não como algo avesso que não tenha razão alguma de existir. A Geografia como uma Filosofia das Técnicas conduz à compreensão dos nexos que os produtos piratas estabelecem nos lugares, por que e como a população executa as atividades a ela relacionadas. É necessário, pois, atentar para a existência e não ficar preso, apenas, à discussão jurídico-normativa.

Fernando Silva
Acadêmico do curso de Geografia da Uneal, em União dos Palmares
Professor do Educandário Olímpia Augusta dos Santos


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Há um bom tempo estava com este texto "engavetado" no meu e-mail, que o Fernando Silva escreveu gentilmente atendendo ao meu pedido, cujo tema é muito pertinente e faz parte do nosso cotidiano. Com esta contribuição, inauguramos a seção "Outros 10inquietos", com textos de amigos e/ou leitores do blog, ou retirados de outros blogs/sites.
Comentem e, se algo te 10inquieta, escreva e nos envie seu texto com um breve currículo.

Um comentário:

Hermogenes Batista Filho disse...

Na verdade, além de um fenômeno social contemporâneo, a "pirataria" é uma implicação jurídica, pois nossas leis estão totalmente ultrapassadas quanto a esta nova realidade, é só se atentar a questão que há alguns anos atrás, o Brasil não sabia como "punir" os crimes virtuais, tiveram que criar emendas constitucionais para que pudessem "punir" esses novos criminosos, da mesma forma, a pirataria ainda é baseada na Constituição de 88, onde os computadores não era massificados, a internet era extremamente centralizada e sem mencionar que ultra lenta, o que dificultava o compartilhamento das informações.

Isso o que chamam de "pirataria" hoje em dia é massivamente utilizada por diversos conjuntos musicais que almejam projeção de seu trabalho, e não precisamos ir muito longe, em nosso estado a cada show de uma "Banda de Forró", em poucas horas depois que o show acabou, o mesmo já está disponível para download, então eu pergunto: "Qual a diferença 'legal' (em cerne ao direito) do caso em que alguém baixa um CD de uma pessoa famosa e dessas Bandas de Forró?". Eu respondo, em suma, ele está ferindo uma lei, mas no segundo caso, por ter sido "permitido a cópia" pela Banda, esta não ganha os "Direitos Autorais" de suas composições, então, quem realmente se “importa” com a pirataria, é as Indústrias de Entretenimento, que ao invés de adaptarem seus meios de ganhar dinheiro com a nova realidade, preferem fazer usos abusivos das legislações vigentes, pois está mais que provado que a era em que os músicos lucravam com a vendagem de CDs e DVDs já passou, o que se pratica atualmente, é lucrar com a quantidade enorme de shows que fazem dentro de um mês.