terça-feira, 2 de outubro de 2012

Frágil como panela de barro



No domingo, Zema Silva Ferreira, Zulu Fernando e eu visitamos o Povoado Muquém e soubemos de coisas muito tristes para a comunidade. Dividiram-na visando benefícios egoístas, como também, de forma descarada, estão usando o legado do Muquém para vender uma imagem particular como se fosse coletiva. Em miúdos, alguns "artistas" copiam a arte de Dona Irineia e Seu Antonio, enquanto outros usam a comunidade como curral eleitoral. Resultado: o enfraquecimento de um povo que antes teve de lutar por liberdade e agora se distancia mais do mínimo de dignidade possível. Saímos de lá muito tristes.

Arte de Dona Irineia. (Foto: ?)
Na segunda, soubemos da morte de Mestre Caboclinho, ícone palmarino do guerreiro e dos festejos natalinos, que, pelo pouco que sei, não teve seguidores fiéis para levar sua brincadeira adiante. Espero estar errado, para que não aconteça o que ocorreu em Branquinha quando o Mestre Ziza se foi sem poder transmitir seu legado, haja vista que nenhum jovem se interessara pelo guerreiro nem mesmo sua filha.

Hoje, que notícia golpeará nossa cultura?

Até quando nossos artistas, homens e mulheres que carregam nossa identidade, serão vilipendiados pela falta de reconhecimento, tanto da parte do poder público que tem a obrigação de resguardá-los, como também pela maioria da sociedade aculturada? Até quando o povo que herdou o Quilombo dos Palmares terá essa visão turva de que tudo se resume ao mês de novembro? Até quando a baixo autoestima reinará entre aqueles que amam sua cultura, mas "por falta de apoio" se resignam? Até quando a iniciativa privada se negará a devolver o mínimo do que ganham da população que a enriquece?

Estamos atrasados. Pessoas "de fora" vêm a União dos Palmares ensinar dança afro às nossas meninas. Religiosos do candomblé e umbanda ainda transitam quase que na clandestinidade, senão são taxados de "macumbeiros" ou de satanistas. Não há, depois de tanto tempo, um centro cultural que sirva tanto de lugar de ensino quanto de palco decente para a exposição da arte. Artistas locais precisaram peitar organização e músicos "de fora" para garantir seu espaço no palco da praça Basiliano Sarmento mais de uma vez, como ocorreu com a banda Estuário Mundaubeat e Thiago Correia - Quilombola de Sião, ambos com trabalhos autorais totalmente voltados para o doce e o amargo de nossa terra.

Estuário Mundaubeat no Festival Linha de Produção (22/09/12). Foto: Vanessa Mota.

Thiago Correia - Quilombola de Sião. Foto extraída de seu perfil no Facebook.
Estamos atrasados, porque ao invés de fazermos um movimento de continuidade, o que há é um resgate ou mesmo a implantação daquilo que se alinha à nossa história. Não precisamos que ninguém responda por nós à interpelação: "Quem é você?". Porém, permitimos que isso acontecesse. A ajuda que vem "de fora" é boa e sempre será bem-vinda e de extrema relevância. O que é inaceitável é o povo palmarino continuar negando sua história

Nossos mestres e mestras estão terminando suas atividades sem deixar aprendizes e sem público local que os incentive, sem poder transmitir suas paixões. Estão morrendo duplamente, encaminhando-se para o ostracismo do qual é impossível se resgatar.

Fica aqui registrada nossa pequena homenagem ao Mestre Caboclinho, que não conheci nem tive a oportunidade de ver uma de suas apresentações, mas que, assim como Mestre Ziza, com certeza brincou muito e, por tabela, espalhou sua alegria popular por onde passou.

Chega de tragédias, preconceito e desdém. Ainda há tempo para reflorestar o canavial. Como diz o Wado, fortalece aí a nossa cultura, frágil como panela de barro.


3 comentários:

imaginário-poético disse...

Pertinente reflexão, no entanto discordo quanto você questiona até quando os palmarinos vão comntinuar negando sua história. Como negar aquilo que maduramente ainda não foi construída, o que falta nos palmarinos é apropriarce daquilo que lhe pertence. A parte que ainda é "negada" da história é justamente a que estamos tentando consstruir está ligada a identidade desse povo que sempre foi ameaçada pelos desmandos. Acredito sim que nós palmarinos temos despertado para a construção dessa nossa história que perpassa e reconhece todo o legado que o Quilombo nos deixou. Então não se nega aquilo que desconhece, assim como não se ama. Um outro termo que sempre discordo e continuo discordando é no que dizem ser "resgate da cultura" pois entendo essa como fazer diário que se pertpetua e também se molda. Precisamos também reconhecer o valor do que é nosso, o valor artístico e também cultural. Pois com a efervecencia da globalização as pessoas tendem a tomar uma pela outra e em alguns casos compreendem como cultura a produção artística que tem certo valor de mercado.

Emanuel Galvão disse...

Olá José!
Parabéns pelo post. Essa indignação tem que tomar conta da juventude, dos estudantes, das comunidades... Mas, para que isso aconteça faz-se necessário investir em educação e em cultura. No entanto não podemos esperar pela autoridades (principalmente, as locais).
Atitudes como essas do blog já é um bom começo.
Parabéns pelo blog!

Grande abraço!
Emanuel Galvão

José Minervino Neto disse...

Obrigado pelos comentários, Emanuel e Luana.

Luana, no caso da "negação da história". Desconhecer é um modo de ignorar, logo negar. Estamos construindo, sim, um novo momento a partir do passado ignorado durante tanto tempo, por força desse sistema que está aí atravancando nosso caminho. Nossa história nos dá o subsídio para transformar o futuro. De fato, vivemos um despertar ainda tímido, mas combativo, unindo forças tanto "de dentro" quanto "de fora". Os bens culturais podem ser também mercadoria, o que não podemos é vender nossa identidade, nossos valores.

Emanuel, fazer cultura por essas bandas é, como diz o clichê, um desafio constante. Além de superar a baixa autoestima, nossos artistas precisam se inteirar mais de outros meios para viabilizar sua arte, como os editais do MinC, por exemplo. Porém, nada supera a poder da educação nessa construção.

Abraço!